13 - Os influenciadores influenciam quem e o quê na nossa vida?
Série - "O que tem a ver com a nossa vida?"
*Coautoria Mikaella Macedo
Vivemos na era da “influência”? Um vídeo de 30 segundos pode influenciar mais do que anos de jornalismo? Uma opinião embalada em trilha sonora e carisma viraliza mais rápido que uma notícia de utilidade pública? Os(as) influenciadores(as) influenciam quem? O quê? Influenciando para que rumos a nossa vida?
Não dá mais para fingir que esse debate é só sobre “quem você segue no Instagram”. A figura do(a) influenciador(a) se tornou uma das engrenagens na forma como se constroem desejos, comportamentos, afetos e até ideologias. Eles(as) influenciam o consumo, sim. Mas também influenciam as formas de existir, de pensar, de sonhar, de desejar e de performar identidade.
O(a) influenciador(a) de hoje não é apenas alguém com muitos seguidores(as) (seguimores rsrsrs). É, sobretudo, alguém que ocupa posições simbólicas de autoridade emocional, estética ou moral na sociedade. Pessoas que são vistas como "gente como a gente", mas vivem sob a lógica do engajamento constante. São como aquela pessoa carismática que virou coach e agora diz que "você só não é milionário porque não acordou às 5 da manhã com gratidão no coração".
Eles(as) até ocupam de forma relativa o espaço que antes era dos colunistas de opinião, dos(as) artistas, dos(as) líderes religiosos(as), dos(as) professores, dos(as) políticos. Só que sem filtro crítico, sem regulação, sem tempo para nuance e com algoritmo como critério de validação. Como se a sua opinião fosse um fato ou uma verdade por si só.
E isso tem tudo a ver com a nossa vida.
Essas pessoas ajudam a definir o que é desejável, o que é aceitável e o que é invisível. Influenciam o que a gente veste, come, vota, sente, ama ou rejeita. E o fazem por meio de estetizações e memeficações da vida, criando realidades editadas, higienizadas, monetizadas. É o cotidiano transformado em vitrine, e a subjetividade transformada em ativo de marca. Ou seja, não desliga.
Mas a influência não acontece só no conteúdo explícito. Está também no não-dito. Está nos estímulos constantes, na dopamina, na repetição de padrões corporais, no reforço de estereótipos raciais e sociais, no apagamento de vozes dissidentes, na exclusão de corpos fora do padrão. Está no silêncio sobre temas incômodos e na escolha do que é digno de viralizar. É a política do feed limpo, da legenda neutra e da “vibe positiva” que esconde o mundo real através de uma câmera com ring light.
Só que tudo isso seria apenas uma estética esvaziada se não fosse pelas big techs que operam como cérebro, filtro e caixa registradora dessa dinâmica. São elas (Google, Meta, TikTok, X etc.) que definem o que aparece para quem, em que momento, com que intensidade. É o algoritmo que indica e muitas vezes até define o que você vai acessar e consumir em um determinado dia. É ele que determina se o seu vídeo viraliza ou flopa. É tipo, como os(as)os influenciadores(as) fossem as vitrines e as big techs, os shoppings inteiros.
E aí está um ponto importante da questão: a influência se tornou a forma hegemônica de disputa da nossa atenção e poder simbólico. A política também entendeu isso. Tanto a extrema-direita quanto o liberalismo de mercado se alimentam dessa lógica: discursos simples, estética de autenticidade, emocionalismo, identificação imediata. A mesma lógica que vende skincare também vende autoritarismo. O mesmo vídeo que ensina a jogar o tigrinho, além de lhe remeter ao endividamento, também ajuda a construir consensos antidemocráticos.
Essa estética do cotidiano aspiracional, por exemplo, foi apropriada pela extrema-direita de forma muito eficaz. Jair Bolsonaro, por exemplo, mobilizou dezenas de influenciadores “neutros” com esse perfil durante a eleição de 2018, com alguns pagos, outros por afinidade espontânea. As campanhas de desinformação e memes não passam mais por panfletos impressos, mas por stories com emoji de coração, vídeos de TikTok com “Viva la vida” do Coldplay e “opinões sinceras” em reels bem editados.
O resultado é um consenso estético-político disfarçado de autenticidade. Quem questiona vira “chato”, “militante” ou “desequilibrado”. A dúvida vira ameaça à vibe. A crítica perde espaço para a “opinião sincerona da fulana que só quer o bem de todos”.
O segredo está no branding, na construção de uma marca pessoal. Muitas vezes, essa marca se apoia no que é popular, no que comunica familiaridade, uma imagem de “gente como a gente”. E é justamente essa identificação que facilita o apreço de determinados públicos, fortalecendo ainda mais a conexão entre influenciador e seguidor.
Por isso, quando falamos em influência, é preciso entender que não se trata apenas de gostos pessoais ou tendências inofensivas, mas sim de uma influência com implicações sociais, econômicas e políticas. A visibilidade dos(as) influenciadores(as) digitais converte-se em capital simbólico, em autoridade. Claro que existem influenciadores que “influenciam para o bem”, que promovem democratização do saber, acesso à informação e debates relevantes, mas o foco desta reflexão está, sobretudo, naqueles cuja ação se centra na comercialização da vida, na construção de narrativas que se distanciam cada vez mais de qualquer forma de crítica ou reflexão.
E quanto à subjetividade, a influência cria uma pressão constante por performance. Não basta existir. É preciso comunicar bem quem você é. É preciso ser um "eu" vendável, postável e engajável. O(a) influenciador(a), nesse sentido, é o espelho distorcido de uma parte da sociedade que cobra visibilidade como condição de valor. E isso tende a afetar a autoestima, os vínculos, a saúde mental, o tempo de descanso e até a maneira como a gente se enxerga e vê o outro. É tipo um burnout com filtro.
Então não é exagero dizer que os(as) influenciadores(as) influenciam muito mais do que o consumo. Eles influenciam a construção simbólica do que é "normal", do que é "verdade", do que é "sucesso", do que é "jogável". E isso tem implicações profundas na nossa capacidade de pensar criticamente e de construir um projeto coletivo de sociedade. É a lógica do “Lacre, Like, Lucro”. E o lucro com certeza não é nosso.
Talvez a pergunta importante não é se os(as) influenciadores(as) influenciam. É:
*Quem está influenciando e paga o(a) influenciador(a)?
*A serviço de que e de quem esses interesses essa influência opera?
*A que tipo de sociedade a gente está ajudando a construir sem refletir sobre isso?
* Porque se tudo vira conteúdo e todo mundo vira marca, o que resta de comum? O que ainda é espontâneo e coletivo?
Se não prestarmos atenção, não será o pensamento crítico que influenciará a cultura, mas o mercado que continuará influenciando nossas ações por meio de um rosto com um filtro com carinha de mais jovem, um bordão, ring light, cupom de desconto e um algoritmo direcionando muita coisa sem que a gente perceba.
Em uma era hiper conectada, na qual o termo “influência” já não diz respeito apenas às amizades que nossos pais julgavam inadequadas, essa ação/efeito se manifesta de maneira mais veloz, intensa e global, impulsionada pelas redes sociais, onde informações, comportamentos, padrões de consumo e estilos de vida são disseminados sem barreiras geográficas. Mas afinal, quem são os(as) novos(as) influenciadores(as)? E pelo que essas personalidades da mídia são famosas?
É fundamental, portanto, olhar não apenas para o que está sendo dito, mas também para o que permanece velado. Muita coisa pode acontecer desde o momento em que a câmera se desliga. É nesse intervalo, entre o que é mostrado e o que é vivido, que também reside um campo importante de estudo e atenção.
Afinal, se os influenciadores interferem mesmo em nossa vida, precisamos nos perguntar: o que exatamente estamos consumindo? E, talvez mais importante, o que estamos deixando de questionar?
Obs: imagem de capa gerada por IA (Opem IA) sob comando humano.