14 - O que o Plano Nacional de Educação tem a ver com a nossa vida?
Série "O que tem a ver com a nossa vida?"
O que é o Plano Nacional de Educação que está em discussão no Congresso Nacional? Quantas metas tem? Já tem um Plano que foi prorrogado até o fim de 2025? E um que está vindo que irá durar até 2034? Mas mesmo sem ler nada disso, ele tem tudo a ver com a sua vida. E com a de todo mundo no Brasil.
O PNE é o tipo de lei que não aparece em manchete, mas molda a escola que seu filho e sua filha frequentam, o número de creches disponíveis no bairro, o salário da professora que dá aula na escola pública e até a verba que chega à universidade onde você sonha estudar. Sem ele, o Brasil vive de improviso na educação. Com ele, ao menos existe um norte, um plano de viagem. O problema é quando esse plano vira só uma lista de promessas, sem orçamento, sem cobrança, sem política pública concreta.
O atual plano, que começou em 2014 e deveria ter sido finalizado em 2024, teve menos da metade das suas 20 metas cumpridas. Algumas, como a ampliação do acesso à educação infantil e à formação continuada de professores, ficaram pelo caminho. Outras andaram para trás. Como se estivéssemos jogando “Jogo da Vida” com o dado viciado, sempre caindo no “volte tantas casas”.
A meta 20 do PNE, por exemplo, prevê a ampliação do investimento em educação pública para 7% do PIB (produto interno bruto) no 5º ano de vigência da lei e 10% ao fim do decênio, mas, no entanto, chegamos na reta final e a porcentagem de investimento direto não chegou aos 6%, repetindo os valores dos anos anteriores. Estamos estagnados. A população cresce a cada ano, mas o investimento em educação continua o mesmo. Atualmente o Brasil gasta mais dinheiro pagando juros da dívida pública para os seus maiores credores – as instituições financeiras – do que investindo em Educação… seria cômico se não fosse trágico.
Esse descumprimento é didático para mostrar que a educação pública não tem sido uma prioridade orçamentária. Apesar de concepções ideológicas distintas e muitas vezes antagônicas dos(as) representantes políticos(as) durante os últimos dez anos, vê-se que o pragmatismo, uma das estratégias da chamada governabilidade, operou de forma a subordinar o investimento em educação com as exigências de equilíbrios fiscais, da Emenda Constitucional do Teto de Gastos do Michel Temer ao Arcabouço Fiscal do Haddad, a história tem rimado.
Diante de tanta limitação de gastos, ouve-se ainda que o Estado brasileiro é muito oneroso e que o problema não é o montante de investimento, mas a forma em que o dinheiro é aplicado ou distribuído. Mas, fazemos a pergunta: será que o dinheiro investido é o suficiente para “triplicar matrículas, elevar a taxa de alfabetização, expandir o ensino integral, ampliar investimento…” como propõe o PNE? Você acha que o Brasil tem mais ou menos professores(as) do que precisa? Tem mais ou menos escolas do que precisa? Tem mais ou menos creches do que precisa? Se a resposta for “menos”, então precisamos de mais investimento.
Os nossos direitos não devem ser tratados como uma questão meramente orçamentária, deve-se perguntar “o que é necessário para garantir uma educação de boa qualidade” e não “isso vai caber no orçamento?”
Essa crítica não se trata de argumento romântico e imatura que desconhece a importância do dinheiro para a efetivação dos planos e metas estabelecidos para o PNE e de como o aumento da arrecadação pode esbarrar em medidas impopulares, como o aumento de impostos. Mas é… difícil? Não, talvez a palavra seja meticuloso, é… meticuloso. É meticuloso como o sistema fiscal do Brasil foi montado para permitir que os mais ricos fiquem cada vez mais ricos.
Como explicar, por exemplo, que até pouco tempo atrás o queijo brie e o foie gras recebiam isenções fiscais porque – pasmem – estavam incluídos na cesta básica, cujos itens devem (ou pelo menos deveriam) ser considerados essenciais para o bem estar nutritivo da população. Tenho certeza que a maioria de vocês nunca comeu um Foie Gras. Quantos milhões de reais não foram arrecadados com a isenção do queijo brie? Quantas creches poderiam ter sido abertas com as isenções fiscais do foie gras? Quem sabe num futuro próximo não lancemos um artigo intitulado “O que o queijo brie tem haver com a falta de investimento em educação?”.
Existem inúmeros exemplos de disparates fiscais no Brasil no qual os ricos pagam muito menos imposto e cuja as correções poderiam gerar arrecadação de dinheiro para consolidar investimentos em educação, o problema é que, muitas vezes, arrecadar dinheiro significa bater de frente com uma elite que defende seus privilégios com unhas e dentes por meio do lobby, de acordo políticos, da imprensa. De onde poderia vir o dinheiro? Poderíamos começar cortando certos privilégios dos mais ricos? Não é um caminho fácil, mas é um caminho possível, estejamos conscientes disso.
Agora estamos aqui, mais da metade das metas não foram cumpridas, o investimento de 10% do PIB está longe de se tornar uma realidade, e aí, em vez de encarar o fracasso com seriedade, o que foi feito? Prorrogação. Estamos em 2025. Mais um ano e meio para não deixar o vazio legal bater na porta. É como se a gente empurrasse com a barriga a tarefa de repensar o sistema educacional inteiro, como quem adia um compromisso importante porque está cansado. Mas o futuro das crianças e jovens do país não pode esperar por descanso político.
Agora surge um novo Plano Nacional de Educação para o período de 2024 a 2034. E nele estão promessas de equidade, alfabetização na idade certa, expansão do ensino técnico, valorização docente e combate à desigualdade. Tudo muito bonito. Só que o desafio é ser votado no Congresso Nacional, depois sair do papel e chegar nas salas de aulas.
Porque, não adianta prometer que toda criança será alfabetizada até os sete anos se não houver uma política séria e estruturada de formação de professores(as), infraestrutura nas escolas e merenda para manter os(as) estudantes na sala e assistência estudantil nos Institutos Federais e nas Universidades. Não adianta falar em ensino técnico de qualidade se os institutos e as universidades federais estão com o orçamento menor que nos anos anteriores. E não adianta dizer que vai reduzir desigualdades educacionais sem tocar no abismo que separa as escolas das periferias das escolas dos centros das cidades.
O novo plano quer pensar a educação até 2034. Mas se a gente não garantir que o(a) estudante consiga chegar inteiro ao fim da semana com segurança, comida, professor(a) presente e estrutura mínima, não tem plano que funcione. Educação não se faz com calendário e slogan. Se faz com prioridade política e investimento real.
O Plano Nacional de Educação tem tudo a ver com a nossa vida porque é ele que diz, ou deveria dizer, que a educação de qualidade não é privilégio de poucos(as), mas um direito de todos(as). E quando isso não acontece, a conta não é abstrata. Ela aparece em cada criança que desiste da escola, em cada adolescente que sai sem saber interpretar um texto, em cada jovem que desiste da universidade antes mesmo de tentar e falta de qualificação para altos postos no mercado de trabalho.
O não cumprimento dos objetivos e metas do PNE não representa um mero indicador técnico a ser divulgado e debatido nos congressos sobre educação, estamos falando da trajetória de milhões de brasileiros e brasileiras. São vidas reais impactadas. Se você cursou o ensino básico em escola pública de periferia, talvez saiba do que estamos falando.
Feche os olhos e tente relembrar a infraestrutura da sua antiga escola, faltava água? As salas eram pintadas? Como era a qualidade do ensino? Faltavam professores? Você tinha acesso a computadores? E a merenda? A comida era nutritiva? Era apenas bolacha? Você sentia prazer em estudar? Refletir sobre isso é perceber concretamente como as políticas públicas interferem no dia a dia escolar, e como a sua ausência ou fracasso pode contribuir para tensionar o destino de muitos(as) jovens.
Se a gente continuar tratando o PNE como mais um plano que ninguém cumpre, seguimos condenando gerações ao improviso e sem um sentido de futuro. E, no fundo, é isso que tem mais a ver com a nossa vida. Porque ou a gente aprende a cuidar da educação como projeto de país, ou vai continuar colhendo ignorância, desigualdade social, violência e frustração. O não cumprimento do PNE virou uma tradição?
Depois de 4 presidentes e 13 ministros da educação, prestes a completar o seu décimo primeiro ano de vigência, o PNE precisa de mecanismos de responsabilização mais eficaz que garanta o cumprimento da lei, sob pena de ser apenas um documento abstrato ou um sonho do que a educação brasileira nunca vai ser, mas poderia ter sido.
Obs: imagem de capa gerada por IA (Open IA) sob comando humano.
Esse me deprimiu um pouco 🥹mas muito importante