17 - Hoje é São João! Celebração e resistência. Sabe por quê?
Série “O que tem a ver com a nossa vida?”
A festa de São João tem origens que remontam à Europa medieval, onde os festejos dos santos populares coincidem com os rituais agrícolas e os solstícios. Relata-se que o começo da Festa Junina no Brasil foi a partir do século XVI. As Festas Juninas eram tradições bastante populares na Península Ibérica (Portugal e Espanha) e, por isso, foram trazidas para cá durante a invasão e a colonização.
Com a chegada do cristianismo, essas festas foram ressignificadas e associadas a figuras religiosas como São João, Santo Antônio e São Pedro. Ao chegar ao Brasil, especialmente no Nordeste brasileiro e no Brasil, a festa ganhou cores, ritmos, cheiros e sentidos próprios. Virou expressão de gratidão à terra, à chuva, à colheita e, ao mesmo tempo, afirmação de identidade. São João é uma das mais importantes manifestações culturais do povo nordestino e do Brasil, e merece respeito, cuidado e reconhecimento por tudo o que representa historicamente, afetivamente e socialmente.
A gente pode até pensar que festa junina é só milho, quadrilha, cachaça e fogueira. Que é um respiro no meio do ano, uma desculpa boa para vestir xadrez e comer bolo de milho. Mas a festa de São João tem muito mais a ver com a nossa vida do que parece. Ela é memória, identidade, política, disputa simbólica e uma declaração de existência coletiva.
São João é, antes de tudo, festa apropriada e ressignificada pelo povo. Nascida no campo, celebrada por trabalhadores(as), marcada pelos ciclos da terra e pelas colheitas. Não é por acaso que os símbolos mais presentes sejam a fogueira, o milho, o amendoim, a palha, o chapéu de palha, o zabumba. A festa é um jeito de celebrar a fartura quando ela chega e de resistir quando ela não vem. No fundo, é um agradecimento que virou também uma festa colorida.
Só que, aos poucos, essa festa que é expressão popular também foi virando produto turístico para alguns, evento com camarote, marketing para grandes marcas, trilha sonora higienizada e artistas agenciados por grandes empresários da música. A cultura do povo em certas festas juninas virou show para elite e espaço para divulgação de coisas alheias a festa. A palhoça virou palco. O matuto virou meme. E a gente, às vezes sem perceber, passa a celebrar o São João sem reconhecer mais as suas origens. Claro, toda tradição muda e é ressignificada, mas calma lá.
Assim, o São João resiste pelo interior do nordeste e do Brasil em várias comunidades e localidades. Na rua de barro, no forró pé-de-serra, na fogueira acesa no quintal de casa, no cheiro de fumaça, nos grupos que dançam quadrilha como se cada passo fosse oração. É nessas expressões pequenas, quase invisíveis ao mercado, que mora a potência dessa festa. Porque ela lembra que não vivemos só de trabalho e notícia ruim. Vivemos também de canto, de comida partilhada, de abraço no salão, de sanfona que puxa a tristeza para fora.
Em João Pessoa, por exemplo, o Festival de Quadrilhas Juninas é um dos momentos mais esperados do ano. Mais do que uma competição, ele é um espetáculo de criatividade, pertencimento e expressão cultural. Os grupos se preparam por meses, misturam tradição e inovação, costuram memórias em cada adereço e ensaio. É arte popular em movimento, é a cidade celebrando seus vínculos e raízes. Antes era no espaço do “Estádio Almeidão”, hoje é celebrada a beira da praia de Tambaú.
Fonte: Arquivo do próprio autor. João Pessoa (2025)
O São João de Campina Grande teve início em 1983, a partir de uma iniciativa da administração municipal que buscava organizar e fortalecer as celebrações juninas na cidade. Até então dispersas, as festas foram concentradas em um terreno baldio conhecido como "coqueiros de José Rodrigues", espaço que mais tarde se transformaria no Parque do Povo. A estrutura inicial era simples, marcada por uma palhoça modesta, mas a adesão popular foi imediata. Já em 1984, a festa passou a se estender durante todo o mês de junho e começou a ser reconhecida como o "Maior São João do Mundo", consolidando-se como um dos mais importantes eventos culturais do Nordeste e do Brasil. E também já foi alvo de vários protestos, devido ao apelo comercial e a descaracterização da festa trazendo como shows principais artistas fora do contexto da tradição.
Fonte: Arquivo do próprio autor. Campina Grande (2025)
É aí que entra a sociologia do São João. A festa não é neutra. Ela carrega a história dos apagamentos e das resistências do povo nordestino. Ela mostra como certos grupos econômicos e políticos tratam sua cultura: se apropriam quando dá lucro, abandona quando pede cuidado. E a festa, que era tempo de reencontro, e, alguns casos e determinadas festas, vira festa de vitrine. Mas, o São João sempre resiste porque é feita em boa parte por um povo que tem memória e que labuta o ano inteiro a espera dessa grande festa.
Bom, celebrar o São João é dizer: estamos vivos. Ainda dançamos, ainda rimos, ainda acendemos fogueiras para iluminar nossas noites. Ainda sabemos que a cultura que brota do povo vale mais do que qualquer camarote.
Então sim, a festa de São João tem tudo a ver com a nossa vida. Porque se a gente esquecer de onde vem as nossas tradições e que precisamos celebrar as colheitas da vida, corremos o risco de aceitar qualquer coisa embalada como tradição.
Obs: imagem de capa gerada por IA (Open IA) sob comando humano.
Eu amo São João ! Aqui na Alemanha vou todo ano pra uma festa onde a organização faz tudo bem raiz. É uma delícia ! Obrigada pelo texto