18 - E a nossa saúde como anda? O que o SUS tem a ver com a nossa vida?
Série "O que tem a ver com a nossa vida?"
A gente talvez só lembre do SUS quando o remédio acaba, quando o dente dói, quando a ambulância do SAMU chega... ou, quando o Zé gotinha aparece na campanha de vacinação. Mas o SUS também está presente na água tratada que chega na nossa casa, na agente comunitária que conhece cada esquina do nosso bairro. O SUS é aquela rede invisível que amortece as quedas quando o dinheiro não chega ao fim do mês para comprar aquele remédio da pressão, quando a doença bate ou quando uma emergência aparece e não se tem plano de saúde, nem plano B.
Pense, até o início do século passado o Brasil mantinha uma saúde pública fragmentada por instituições filantrópicas, voltadas a pessoas abastadas e privilegiadas. Com a Constituição de 1988 nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS). Foi um marco de inclusão e universalidade que consagrou a saúde como direito social no Brasil. Mesmo com problemas e limites, o SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, que atende quase 100% da população por meio de mais de 42 mil Unidades Básicas de Saúde, 5.500 hospitais credenciados e cerca de 34 mil equipes de saúde bucal.
Isto é, o SUS é um sistema fundamental para a saúde pública no Brasil, e o seu funcionamento ocorre por uma rede integrada de serviços, incluindo Unidades Básicas de Saúde, hospitais, laboratórios e equipes de saúde da família.
Nos últimos anos o orçamento federal para a saúde cresceu em números absolutos. O PLOA 2024 destinou R$ 218,5 bilhões, 46% a mais que o previsto em 2023, e R$ 10,8 bilhões reservados a investimentos. Mesmo assim a atenção primária – base do sistema – continua com menos recursos relativos, enquanto a atenção especializada recebe 36% do orçamento em relação a 18% para a atenção primária. Isso tende a reforçar a lógica hospitalocêntrica de saúde. Ou seja, estamos contrariando o ditado popular e remediando mais do que prevenindo.
Entre 2022 e 2024 o orçamento para tratamentos especializados aumentou 34%, passando de R$ 54,9 para R$ 74,7 bilhões. O programa “Agora Tem Especialistas” prometeu reduzir filas por meio de 10 estratégias. Agora, quando for marcar exames, vai esperar só uns seis meses, ou mais. Sim, mesmo com esse esforço, as filas continuam longas, com cerca de meio milhão de pessoas aguardando cirurgias eletivas; 30% da população espera por atendimento, muitos há mais de seis meses. Agora em junho de 2025 (Portaria GM/MS nº 7.307, de 25 de junho de 2025), é implementado nesse programa a possibilidade de hospitais (com ou sem fins lucrativos) paguem suas dívidas com o governo oferecendo a população atendimento pelo SUS (exames, consultas, cirurgias eletivas). A primeira vista, parece ótimo! Teoricamente, alguns hospitais privados vão atender pelo SUS, ou seja, mais vagas para atendimento. Por outro lado, entre outras consequências, isso pode aumentar a dependência do setor privado, esvaziar os investimentos no SUS – afinal os impostos dessas dívidas que seriam para o SUS, não vão, e ainda absorve os valores dos serviços prestados. Enfim, uma faca de dois gumes, mas que está mais afiada do lado do setor privado.
Mas o enredo dessa série do SUS, tá inspirando novela: SUS como o personagem injustiçado que trabalha muito, quase calado, salva todo mundo e vive a beira de ser destruído.
O governo também investe em saúde digital, com plataformas como o Conecte SUS, Meu SUS Digital e RNDS, e anuncia interoperabilidade e inteligência artificial. A promessa é modernizar. Ok, mas na prática, falta infraestrutura, o wi-fi mal chega, e muitas vezes não tem nem computador na UBS lá da comunidade. Ao invés de humanizar, a tecnologia pode digitalizar o cuidado, transformando o usuário em senha, o vínculo em um dado, a consulta em um call center.. “se já perdeu a esperança, tecle 2”.
O governo Lula 3 alardeia crescimento orçamentário, mas não enfrenta os gargalos reais do SUS. A atenção primária continua subfinanciada e o protagonismo das emendas parlamentares para os investimentos na saúde indica fragilidade política e institucional. A ênfase na saúde digital se sobrepõe ao fortalecimento das equipes de base, dos agentes locais e da vigilância. O problema é que a IA não faz visita domiciliar, não toma um café com Dona Luiza pra saber como a família tem cuidado da virose, ou se as meninas tem feito uso de contraceptivo ou pré-natal.
Mas enquanto no cuidado humano deixa a desejar, os investimentos seguem pesados no que brilha mais nos relatórios: as grandes compras de quimioterapia, transplante e estruturas hospitalares. Tudo isso é importante, mas ainda é uma lógica de enxugar gelo. E vai continuar assim se a saúde básica não for levada a sério, afinal, tão importante quanto ter quimioterapia garantida é conseguir reduzir o número de pessoas com câncer. Então, que tenha mais investimentos em prevenção, formação profissional e cuidado comunitário.
Lula na campanha eleitoral de 2022 se comprometeu com um maior investimento no SUS, incluindo a recomposição de verbas congeladas desde o Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95) e a ampliação do atendimento. Embora tenha havido aumento nominal no orçamento da saúde (cerca de R$ 220 bilhões em 2024), o valor ainda é insuficiente frente às demandas reprimidas da pandemia e aos cortes anteriores – lembra lá do Teto de Gastos do Governo Temer né?
Pois é, a revogação desse Teto ainda não resultou em uma recomposição proporcional das verbas da saúde pública. O financiamento permanece aquém do necessário para universalizar e qualificar os serviços. O subfinanciamento crônico da infraestrutura, evidenciado na queda de 30% nos investimentos fixos (de R$ 17,5 bi em 2023 para R$ 12,3 bi em 2024), compromete a qualidade do SUS. Isso prejudica a manutenção de prédios, laboratórios, equipamentos, ambulâncias, unidades básicas e postos rurais. Com menos presença local, aumentam a judicialização e as filas.
Na campanha também foi prometido zerar ou reduzir drasticamente filas de exames, consultas e cirurgias, sobretudo em especialidades e oncologia. Mas ainda parece fila de padaria em tempo chuvoso, tudo mundo esperando, e na sua vez, demora ainda mais. De acordo com dados do Ministério da Saúde há mais de 1,6 milhão de pessoas que aguardam cirurgias eletivas no SUS. A fila digital proposta (Sistema Nacional de Regulação) ainda é embrionária, com poucos dados transparentes. Estados e municípios seguem sobrecarregados sem apoio técnico ou financeiro suficiente para resolver o gargalo.
E a reversão da lógica da privatização e da terceirização que também foi prometida na campanha de 2022 com o reforço da saúde pública estatal e limitar o avanço de Organizações Sociais (OSs) e privatizações disfarçadas?
Bom, o governo federal continua firmando parcerias com OSs e fundações privadas. A chamada "saúde digital" tem avançado sem transparência, com contratos com grandes empresas de tecnologia, terceirizando dados e funções sensíveis. O Conecte SUS segue operando com baixa governança pública e riscos à soberania de dados dos usuários do SUS. Ou seja, o governo está optando em modernizar tecnocraticamente o sistema, ao invés de garantir direitos com base em justiça social e presença pública no território.
O que está em jogo na prática?
Quando se sai de casa com febre, dor ou lesão, o SUS é o que aparece em cena. Quando o cuidado falha, a vida suspende. Não somos estatísticas: somos pacientes, famílias, vozes. Saúde não é luxo, é condição de dignidade e cidadania. Sem um SUS forte, universal e humanizado, cada doença vira dívida, cada fila vira abandono. A quem beneficia a crença de que o SUS não funciona, não presta? Centenas de pessoas tem corrido para planos de saúde. Mas lá, tem fila também, a diferença é que se paga (caro) para esperar. O curioso é que essa indústria (planos de saúde) que lucra com o medo e a falência do SUS, passa despercebida no debate público. Imagine se tivesse acesso aos dados do Conecte SUS, fariam um desconto especial para você tem uma família com 3 gerações com câncer de próstata.
O orçamento cresce, houve avanços na atenção especializada e tecnologia ganhou impulso. Mas os erros se acumulam. Priorizar hospital, preterir as UBS, digitalizar sem conexão humana e inflar investimentos sem incidir nas bases do sistema? Para quê? Para quem?
Pelo menos, por enquanto, tomara que o governo com Padilha e sua equipe (que vem de uma gestão desastrada na SRI) efetivem o programa de governo eleito. Mas, por hora as políticas de saúde caminham entre iniciativas parciais, marketing político (com performances forçadas e cafonas de tiozão nas redes sociais) e limitações estruturais. Falta ousadia política e sobra pragmatismo. E é preciso um investimento proporcional às necessidades e disputa simbólica em defesa do SUS.
Tudo isso tem a ver com escolhas políticas, que no momento são de responsabilidade desse governo. É importante ressaltar que, as decisões do Congresso também são fundamentais nesse processo, podendo até mesmo impedir propostas benéficas para a população em favor do lobby, ou mesmo vetar que propostas de governo que não sejam favoráveis ao povo sejam implementadas. Claro, há a questão da correlação e forças desfavorável com o Congresso, ter pego o legado do governo protofascista de Bolsonaro, mas isso é uma coisa. Outra coisa é não fazer ou entregar o que depende do próprio governo por ingerência, inaptidão e falta de equipes na gestão com a devida qualificação técnica e política. Não só na saúde, mas o governo precisa rever isso o quanto antes, sob pena de ser derrotado eleitoralmente e politicamente em 2026.
O SUS resiste, e sem um projeto político forte por trás, a sua integridade está em risco. Porque quando o SUS enfraquece, o povo é que sofre. Sofre na fila, no posto sem médico, no remédio que não vem. Defender o SUS é ter compromisso real com o cuidado, com os profissionais e com quem mais precisa. Se saúde é direito, não pode ser propaganda, ou mercadoria. Se o cuidado é público, não pode virar aplicativo mal feito. E se o governo é supostamente progressista, precisa escutar quem tá na ponta (profissionais e população).
O SUS é uma construção valiosa, tecida com lutas históricas e resistências coletivas e precisa ser preservado e ampliado com bases fortes na atenção básica e em seus princípios da universalidade, equidade e integralidade tanto no próprio sistema na valorização e respeito multidisciplinar com os profissionais, quanto no atendimento irrestrito da população.
Obs: imagem de capa gerada por IA (Open IA) sob comando humano.
Muito bom! Esse deu de novo uma leve depressaozinha ao ler a verdade nua e crua. Minha tia está com artrose no joelho e a previsão para a cirurgia dela é daqui a um ano
👏👏👏 Texto necessário