21- O que os 70 anos de Edson Gomes e o seu reggae têm a ver com a nossa vida?
Série "O que tem a ver com a nossa vida?"
Fonte: https://www.facebook.com/edsongomesnatal/
Talvez você nunca tenha parado pra ouvir um disco inteiro dele. Talvez só conheça aquele refrão “malandrinha, você é um caso sério” ou já tenha passado por uma feira ou bar de esquina onde a voz marcante dele ecoava entre uma cerveja e uma conversa política com “no campo de batalha a morte é mais forte”.
Mas a verdade é que os 70 anos de Edson Gomes, completados neste 2025, têm tudo a ver com a nossa vida. E não só porque ele é considerado o maior nome do reggae nacional. Mas porque a sua música, desde os anos 1980, é crônica cantada da desigualdade, da violência policial, do racismo estrutural, da resistência preta e pobre que insiste em viver com dignidade neste país.
Nascido em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, em 03 de junho de 1955, Edson Gomes é influenciado por uma linhagem de artistas que fizeram da arte um grito coletivo, como Bob Marley, Peter Tosh, Gilberto Gil e Tim Maia. Não à toa, ficou conhecido como o “Tim Maia do Recôncavo” antes mesmo de gravar seu primeiro LP. Sua trajetória artística se confunde com a história de milhares de brasileiros(as) marginalizados(as) e perseguidos(as) por um sistema que criminaliza corpos pretos e pobres, especialmente nas periferias e comunidades do Nordeste.
Sua discografia reforça essa coerência entre música, a causa e o ritmo que ele canta: o primeiro álbum, Reggae Resistência (1988), já trazia o tom direto de denúncia social. Em seguida, vieram Kamika-se (1991), Sete Anjos (1992), Campo de Batalha (1994), Edson Gomes ao Vivo (1995), Acorde, Levante, Lute! (1997), Apocalipse (1999),Série Bis (2000), Acorde, Levante, Lute (2001), Ao Vivo em Salvador (2006) e Ao Vivo em Senhor do Bonfim (2010). Cada disco é um capítulo de luta, um manifesto musical que ecoa até hoje entre gerações que ainda enfrentam as mesmas estruturas de opressão. Além de um legado de sucessos musicais, Edson Gomes atualmente toca junto com os filhos Isaac e Jeremias, que também são músicos.
Seu reggae tem batida firme, pulsação grave acentuada, arranjos simples mas impactantes, com teclados melódicos e guitarras rítmicas bem marcadas, criando aquela ambiência típica do roots reggae. Sua voz grave, rasgada e poderosa é outra marca registrada. Não é uma voz doce nem polida, mas carregada de vivência e indignação, o que a torna ainda mais expressiva. Ele não canta para entreter. Canta para alertar, sacudir, indignar. É o que muitos chamam de "voz do gueto com alma de líder".
Nos 50 anos de carreira celebrados em 2022, ele disse que nunca precisou copiar ninguém. E é verdade. Edson sempre foi autêntico. Sua música nunca se curvou à lógica das gravadoras comerciais, nem ao entretenimento alienado.
Enquanto muitos artistas buscaram a neutralidade para agradar o mercado, ele cantava sobre chacinas, fome, abuso de poder e injustiça social. Músicas como “A violência”, “Adultério”, “Homem invisível” e “Ser humano” não são apenas sucessos, são denúncias musicadas. O cantor trouxe em suas letras assuntos aparentemente complexos, como na música “Etiópia”, sobre a vitória da Etiópia na guerra contra a Itália do fascista Mussolini. São espelhos da nossa realidade. São educação popular em forma de batida.
Em um Brasil onde o racismo é negado, mas se manifesta na bala da polícia, na ausência do Estado, no silêncio dos livros didáticos e nas estatísticas do genocídio da juventude negra, ouvir Edson Gomes é arte e um ato de consciência. Que um refrão pode ser tão potente quanto um manifesto. E que o reggae, nas mãos dele, nunca foi só ritmo.
É por isso que o legado de Edson Gomes chama atenção e merece ser celebrado. Ele não foi domesticado pelo sucesso, não suavizou o discurso, não se calou. Em tempos em que tantos artistas fogem da responsabilidade social e se escondem atrás do “não quero me posicionar”. Edson segue sendo a lembrança viva de que música é arte, mas também é trincheira.
Então, sim, os 70 anos de Edson Gomes têm tudo a ver com a nossa vida. Porque falam de memória, luta, identidade e futuro. Porque nos fazem lembrar que arte sem coragem é só vitrine. E que o Brasil profundo, esse que canta do Recôncavo às quebradas, não se cala. Se expressa em versos, em batidas e na voz de um homem que era ajudante de pedreiro e ousou transformar dor em canto, e canto em consciência.